Timor-Leste deu um passo significativo em matéria de resolução de litígios, colmatando uma lacuna que se fazia sentir no seu ordenamento jurídico há vários anos, através da aprovação do regime jurídico da arbitragem voluntária, aprovado pelo Parlamento Nacional através da Lei n.º 6/2021, de 31 de março, e bem assim da adesão à Convenção Sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (Convenção de Nova Iorque), através da Resolução n.º 8/2021, de 17 de março de 2021.
O novo regime jurídico da arbitragem aplica-se a todos os procedimentos arbitrais com sede em Timor-Leste, sejam eles internos ou internacionais, e bem assim à confirmação e execução de sentenças arbitrais proferidas fora do país, sem prejuízo do que esteja estabelecido em convenções internacionais.
A aprovação da Lei da Arbitragem Voluntária representa uma inovação no ordenamento jurídico timorense, abrindo-se, deste modo, as portas à arbitragem interna e à arbitragem internacional, comercial e de investimento, com sede em Timor-Leste, e bem assim ao mais fácil reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, que carecia de regulamentação apropriada até à data.
De destacar o facto de a lei admitir expressamente a celebração, por entidades públicas, de convenções de arbitragem que tenham por objeto litígios de natureza exclusivamente privada, podendo ainda tais convenções de arbitragem abranger litígios de direito público mediante lei que assim o autorize.
A Lei da Arbitragem Voluntária segue a estrutura sistemática e os princípios da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional de 1985, com as alterações de 2006, contendo uma previsão detalhada sobre os procedimentos de designação, aceitação e recusa do árbitro, sendo de notar que, salvo acordo das partes em sentido contrário, a nacionalidade do árbitro não constitui impedimento à sua designação e que se consigna o princípio da neutralidade, aconselhando-se que na seleção do árbitro presidente seja tida em conta a nacionalidade das partes envolvidas na arbitragem.
No âmbito da arbitragem interna, sem prejuízo do princípio do livre patrocínio, é admitido que as partes litiguem em causa própria ou que se façam representar por qualquer pessoa à sua escolha, ainda que não exerça a advocacia. No que se refere à arbitragem internacional, o diploma admite expressamente a representação das partes por advogados estrangeiros que não estejam inscritos em Timor-Leste, independentemente da sua nacionalidade, resolvendo assim de forma expressa uma questão frequentemente debatida noutros países e mostrando a abertura do país à arbitragem internacional.
A Lei da Arbitragem Voluntária prevê os fundamentos de anulação para uma sentença proferida em arbitragem interna distintos dos previstos para uma sentença proferida em arbitragem internacional, embora em ambos os casos alinhados com os princípios estruturantes da arbitragem. Importa notar que, apesar da previsão do direito a pedir a anulação da sentença arbitral como irrenunciável, em sede de arbitragem internacional, e desde que cumpridos os requisitos previstos pela lei, as partes podem renunciar reciprocamente a este direito.
Ainda nos termos deste diploma, qualquer sentença arbitral proferida em arbitragem com sede em Timor-Leste constituirá título executivo, podendo ser de imediato dada à execução.
Já quanto a sentenças proferidas em arbitragens sedeadas fora do país, estabelece-se necessidade da sua confirmação para efeitos de eficácia e de execução em Timor-Leste, pelos tribunais judiciais competentes, sem que tal envolva uma apreciação de mérito.
O regime previsto aplica-se em qualquer caso sem prejuízo da Convenção de Nova Iorque, sempre que o mesmo seja aplicável.
A adoção da Convenção de Nova Iorque por parte de Timor-Leste representa um importante passo para o reconhecimento da autoridade de sentenças arbitrais estrangeiras independentemente da sede de arbitragem ou da nacionalidade das partes envolvidas. Concretamente, até à data, os investidores estrangeiros tinham de depender exclusivamente da lei processual timorense para obter o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, a qual tinha inúmeras lacunas a este respeito. Após a entrada em vigor da Lei de Arbitragem Voluntária e deste relevante instrumento internacional, os requisitos formais e fundamentos de recusa a ter em conta para efeitos de revisão de sentenças arbitrais estrangeiras passarão, ao invés, a ser aferidos à luz do disposto nos artigos IV e V da Convenção.
O Estado de Timor-Leste formulou, não obstante, as reservas de reciprocidade e comercialidade à Convenção de Nova Iorque. Como tal, (i) a Convenção só se aplicará ao reconhecimento e execução de sentenças arbitrais proferidas no território de Estados a ela vinculados, e (ii) o seu regime restringir-se-á a litígios emergentes de relações jurídicas, contratuais ou não contratuais, que, segundo o direito timorense, tenham natureza comercial.
O instrumento de ratificação deverá agora ser depositado junto do Secretário-Geral das Nações Unidas, e a Convenção entrará em vigor em Timor-Leste após o decurso do prazo de noventa (90) dias decorridos sobre o referido depósito.
Não é claro se o regime da Convenção de Nova Iorque será, assim que entrar em vigor em Timor-Leste, aplicável ao reconhecimento e execução de sentenças arbitrais anteriores. Os tribunais timorenses serão, em breve, postos à prova sobre a interpretação desta e de outras matérias atinentes a este instrumento internacional.
Estas duas iniciativas legislativas demonstram a vontade de implementar um regime jurídico amigável à arbitragem interna e internacional. O tempo e a prática irão revelar os desafios que resultarão do aproveitamento desta novidade no ordenamento jurídico timorense.
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