Angola | 2022.09.09
Aprovados o Regime Jurídico da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado, o Código do Procedimento Administrativo e o Código de Processo do Contencioso Administrativo

Através da aprovação de um conjunto de diplomas fundamentais no ramo do Direito Público, a República de Angola operou uma revisão estruturante do quadro normativo que rege a actividade administrativa, o qual se encontrava em vigor sem alterações assinaláveis há quase 30 anos.
 
Tendo em vista dar concretização ao princípio geral constante do Artigo 75.º da Constituição da República de Angola, que determina que o Estado e outras pessoas colectivas públicas são solidária e civilmente responsáveis por acções e omissões dos seus órgãos, titulares, agentes e funcionários no exercício das funções administrativa, legislativa e jurisdicional, ou por causa delas, a Assembleia Nacional, por intermédio da Lei n.º 30/22, de 29 de Agosto, aprovou o Regime Jurídico da Responsabilidade do Estado e de outras Pessoas Colectivas Públicas (“RJRP”).
 
Este diploma, verdadeiramente inovador no quadro jurídico angolano, visa concretizar o referido princípio Constitucional, densificando as diferentes formas de responsabilidade civil extracontratual decorrente de actos ou omissões das funções administrativa, legislativa e jurisdicional, e impondo o dever de reparar os danos provocados aos particulares em resultado daquelas. A obrigação de indemnizar visa, em primeira linha, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento ou omissão que obriga à reparação (reconstituição ‘in natura’), apenas sendo a indemnização fixada em dinheiro nas situações onde não se mostre possível a reconstituição natural ou nos casos onde a mesma não repare integralmente os danos sofridos ou seja excessivamente onerosa para quem tem a obrigação de indemnizar. O RJRP incorpora as modalidades de (i) responsabilidade por facto ilícito e de (ii) responsabilidade pelo risco, e no âmbito da responsabilidade por danos decorrentes do mau funcionamento da administração da justiça prevê (iii) o dever de indemnizar o lesado por violação do direito a uma decisão judicial em tempo razoável, (iv) a figura da responsabilidade por erro judiciário, bem como (v) as regras aplicáveis para efeitos de determinação da responsabilidade dos Magistrados Judiciais e do Ministério Público. O novo regime legal introduz ainda a modalidade da responsabilidade pública por danos decorrentes do exercício da função legislativa por actos ou omissões, assim como a figura da responsabilidade por actos lícitos (indemnização pelo sacrifício). A Lei n.º 30/22, que não carece de regulamentação complementar, entrou em vigor na data da sua publicação.
 
No âmbito da actividade administrativa, tendo em vista adequar e modernizar as normas que regem a actuação da administração pública às exigências constitucionais e legais e de proximidade e resposta aos administrados, foi igualmente aprovado pela Lei n.º 31/22, de 30 de Agosto, o Código do Procedimento Administrativo (“CPA”), o qual entrará em vigor no prazo de 180 dias a contar da sua publicação, i.e. a 26 de Fevereiro de 2023.
 
Este diploma, que opera a revogação do regime até aqui em vigor, que datava de 1995 (Decreto-Lei n.º 16-A/95, de 15 de Dezembro), estabelece, além do mais, os princípios a observar no exercício da actividade administrativa e as regras e formalidades ao nível da formação, manifestação e execução da vontade da administração pública para realização do interesse publico, com respeito pelos direitos subjectivos e interesses legalmente protegidos dos particulares e das pessoas colectivas. Para além de consagrar uma noção ampla de interessado, alargando o seu âmbito, o novo CPA importa uma profunda transformação ao procedimento administrativo até aqui em vigor e que irá alterar o modo de funcionamento da administração pública angolana (e de quaisquer entidades, independentemente da sua natureza, que exerçam a função administrativa) nas suas relações com os cidadãos. As alterações agora aprovadas abrangem toda a actividade administrativa e incluem: a introdução de um conjunto alargado de novos princípios gerais; a alteração e densificação das regras de determinação da competência dos órgãos, da sua formação e manifestação de vontade; a possibilidade de serem estabelecidos acordos ou parcerias, nos casos onde se mostra necessária a  intervenção de vários órgãos na práctica de actos, com o objectivo de padronizar e tomar mais eficiente e eficaz a sua actuação conjunta; normas próprias para a figura do regulamento administrativo; alterações ao nível dos meios de reacção graciosos (reclamações e recursos administrativos), abrangendo a regulação relativa ao incumprimento do dever de decidir; a eliminação da figura do indeferimento tácito; regras próprias relativas aos contratos celebrados pela administração pública, em acréscimo àquelas já fixadas na Lei dos Contratos Públicos; e a densificação das normas respeitantes à execução de actos administrativos.
 
Finalmente, para efeitos de assegurar o princípio da plenitude e efectividade da tutela dos direitos fundamentais dos administrados e a necessidade de afirmação de um direito processual administrativo que, por um lado, garanta efectivamente a tutela de direitos e interesses subjectivos dos particulares e, por outro, promova o efectivo controlo da legalidade administrativa, foi igualmente aprovado um novo Código do Processo do Contencioso Administrativo (“CPCA”), por intermédio da Lei n.º 33/22, de 1 de Setembro.
 
A necessidade de adequação do direito processual administrativo a uma economia de mercado e a um Estado democrático de direito exigiram que se operasse uma verdadeira ruptura com o paradigma até aqui vigente, assente apenas na figura do recurso contencioso de anulação e no processo cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo, os quais se mostravam incapazes de assegurar o princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 29.º da Constituição.
 
As profundas inovações agora introduzidas importam, além do mais, um alargamento do conceito dos interessados e, por conseguinte, da legitimidade processual para iniciar e/ou intervir em juízo, bem como a introdução de amplos e novos meios processuais e respectivos regimes processuais, como são o caso dos processos de impugnação de regulamentos administrativos, de condenação à práctica de acto devido, de responsabilidade civil contratual e extracontratual do Estado, de impugnação de contravenção ou transgressão administrativa, a par da consagração expressa de meios cautelares em sede administrativa, até aqui practicamente inexistentes ou de aplicação práctica muito reduzida. Entre muitas outras novidades, destaca-se ainda a possibilidade de fiscalização da legalidade de normas, e já não apenas de actos administrativos, incluindo a sua omissão, a introdução de importantes princípios, como o da ‘prevalência da justiça material’ e o ‘pro actione’, visando a busca da verdade material como elemento essencial e atribuindo aos juiz mecanismos para a alcançar, o princípio geral da possibilidade de cumulação de pedidos, bem como a consagração das regras processuais destinadas a assegurar o exercício do direito à acção popular e acção pública, e de regras próprias referentes a arbitragem.
 
O CPCA entrará em vigor no prazo de 180 dias a contar da sua publicação, i.e. a 28 de Fevereiro de 2023. A partir desta data, os processos pendentes passam a reger-se pelo novo código, cabendo aos juizes proceder às adaptações processuais que se mostrarem necessárias para o efeito.

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